No dia 16 de outubro de 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), agência que trabalha no combate à fome e à pobreza por meio da melhoria da segurança alimentar e do desenvolvimento agrícola. Desde o início da década de 1980, é comemorado nesta data o Dia Mundial da Alimentação. A celebração inclui mais de 150 países, e acontece inclusive no Brasil. E o tema deste ano é “As nossas ações são o nosso futuro. Melhor produção, melhor nutrição, melhor ambiente e melhor qualidade de vida”.
Aproveitamos este momento de celebração da alimentação para buscar novos conhecimentos sobre o tema na perspectiva dos cuidados necessários para a qualidade de vida da pessoa idosa. A nutricionista Fabiane Rezende, uma das autoras do livro Abordagem Nutricional no Envelhecimento (Editora Rubio, 2017), sobre temas ligados à alimentação de pessoas idosas, aceitou nosso convite para esta conversa com dicas e recomendações importantes para a saúde de todes.
EternamenteSou – Juntamente com outras duas autoras, você é uma das pesquisadoras responsável pela organização do livro Abordagem Nutricional no Envelhecimento. O que motivou a elaboração das pesquisas que resultaram no livro?
Dra. Fabiane Rezende – Eliana (de Souza), Sônia (Lopes Duarte) e eu percebemos que havia pouca literatura disponível sobre o tema nutrição e envelhecimento e que o livro poderia contribuir de forma significativa na formação de profissionais de nutrição e saúde. O Brasil é um País que segue em acelerado processo de envelhecimento populacional, com aumento expressivo na demanda de cuidados em saúde da pessoa idosa. Neste cenário, a alimentação e nutrição adequadas podem contribuir significativamente para promover um envelhecimento mais saudável, promover melhor qualidade de vida e reduzir os danos causados por diversas condições clínicas que ter um curso crônico em pessoas idosas. Portanto, faz-se necessário ter profissionais qualificados para o cuidado dos idosos atuando com uma prática clínica baseada em evidências. E o nosso livro foi idealizado em esse propósito.
ESou – Quais são as principais orientações que você pode oferecer a uma pessoa idosa para que ela possa melhorar sua relação entre alimentação, corpo e saúde?
DFR – Esta é uma pergunta complexa e desafiadora para ser respondida. Apenas orientar e fornecer informações sobre alimentação e saúde não é suficiente para promover mudanças duradouras. A melhoria da relação com a alimentação, com o corpo e com a saúde depende de múltiplos aspectos e engloba tantos fatores internos quando externos. No âmbito individual podemos dizer sobre o autoconhecimento, a autocompaixão, o autocuidado e o desenvolvimento de habilidades que fortaleçam a autonomia e independência são aspectos importantes a serem cultivados para se promover a saúde. Nesse sentido, garantir aos idosos o acesso a serviços de saúde que disponibilizem o cuidado em saúde de forma interdisciplinar é fundamental. Sabemos também que a saúde da pessoa idosa envolve a interação de múltiplas dimensões (física, mental, emocional e espiritual) e que a promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças são determinados por fatores sociais, econômicos, ambientais e políticos. Assim, faz-se necessário ampliar o olhar e compreender que para a maioria das pessoas idosas há ainda muitas barreiras externas para que as melhorias das condições de saúde e alimentação tornem-se possíveis.
ESou – Como funciona e qual é a importância de pessoas idosas realizarem uma avaliação nutricional?
DFR – A avaliação nutricional integra a avaliação multidimensional de saúde da pessoa idosa. Ela inclui dados clínicos e bioquímicos, análise do consumo e comportamento alimentar, avaliação das reservas corporais (massa muscular, massa de gordura, massa óssea e água corporal), avaliação do gasto energético, e pode ainda incluir aspectos culturais, sociais e econômicos ligados à alimentação. É a partir de uma avaliação nutricional completa que podemos estabelecer os diagnósticos de nutrição e construir o plano de cuidado nutricional junto com a pessoa idosa e/ou sua cuidadora. A partir da avaliação nutricional pode-se também identificar a necessidade de encaminhamento para outros profissionais.
ESou – Com a cesta básica cada vez mais cara, que dicas você pode dar para mantermos uma alimentação saudável gastando pouco?
DFR – O contexto político e econômico no Brasil e no mundo tem aumentado significativamente os níveis de insegurança alimentar e nutricional e atender essa necessidade básica que é alimentação tem sido um desafio para uma parcela importante da nossa população. No âmbito individual, fazer o planejamento da alimentação da família, listar os alimentos antes de ir ao mercado, realizar pesquisa de preços em diferentes estabelecimentos, dar preferências aos alimentos da época e se atentar aos dias de promoções é uma das formas de otimizar o orçamento destinado à alimentação. Combater o desperdício também pode ser útil, portanto, ter atenção às quantidades que são adicionadas ao prato, aproveitar as sobras da forma que for possível, higienizar e armazenar de forma adequada ajuda nesse sentido. Analisar também quanto se gasta com alimentação fora do lar e ver a possibilidade e reduzir esse consumo, seja fazendo mais refeições em casa ou levando algo consigo, seja para o trabalho ou outro local que for necessário ir. Importante também checar os consumos de supérfluos tanto alimentícios quanto não alimentícios e ver como otimizar os recursos para investir em uma alimentação mais in natura ou minimamente processada. Além disso, pode-se checar se há hortas comunitárias possíveis de serem acessadas ou fazer o plantio em casa, se possível. E se ainda assim as necessidades de alimentação não puderem ser completamente atendidas buscar uma unidade de saúde, o centro de referência da assistência social ou outros tipos de apoio comunitário (como a EternamenteSou) pode ser útil para checar possibilidades de auxílios ou inserções em programas sociais.
ESou – É comum a informação de que precisamos nos manter hidratados. Existe um consenso sobre a quantidade de água que cada pessoa deve ingerir ao longo do dia? Que estratégias assumir para cumprir com esta necessidade?
DFR – O corpo humano é constituído em sua maior parte por água e a proporção de água corporal tende a declinar com o aumento da idade. A necessidade diária de consumo de água é variável conforme a idade, a massa corporal total (peso), as condições de umidade e temperatura do ambiente, a taxa de sudorese durante práticas de atividade física e depende também da funcionalidade de órgãos e sistemas, especialmente rins e sistema circulatório. Há diferentes recomendações na literatura acerca da quantidade estimada de água que necessitamos diariamente. Para a maioria das pessoas idosos, um consumo entre 1,5 e 2 litros por dia é suficiente e estar atento às necessidades do corpo, às mudanças climáticas e ao consumo regular ao longo dia é fundamental para manter a boa hidratação.
Quanto às estratégias para atender à necessidade de água, vale lembrar que na medida que envelhecemos podemos ter redução da percepção de sede e que aspectos psicológicos e comportamentais (disponibilidade da água, sabor, temperatura, palatabilidade, conhecimentos sobre hidratação e hábitos) também podem interferir no consumo. Assim, para garantir uma hidratação adequada pode-se optar pelo consumo não só da água pura, mas também água saborizada, consumo de frutas e vegetais com maior teor de água, chás, infusões e sucos naturais, preferencialmente sem adição de açúcar, sopas e caldos. Outra estratégia é aproveitar o momento de tomada dos medicamentos e da prática de atividade física para ingerir maior volume de água. Manter copos ou jarras de água disponíveis no ambiente com fácil acesso também contribuir para o consumo.
ESou – Existem diversas reportagens que se contradizem sobre os benefícios e malefícios no consumo de diversos alimentos como tomate, café, chocolate, vinho, azeite, etc. Como encontrar informações confiáveis sobre os alimentos?
DFR – De fato, há muita informação conflituosas disponível sobre alimentação e nutrição. Vale dizer que atribuir rótulos aos alimentos (bons/ruins, saudáveis/não saudáveis) não é adequado. Cada pessoa, cada organismo responde de formas distintas ao que é consumido. Excluir ou incluir um alimento na alimentação considerando esses rótulos pode gerar uma privação desnecessária ou até mesmo nenhum efeito benéfico que foi atribuído àquele alimento. Informações confiáveis para o público geral estão disponíveis no Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), disponível no site do Ministério da Saúde.
ESou – Qual a importância de acessarmos um documento como o Guia Alimentar para a População Brasileira?
DFR – O Guia Alimentar para a População Brasileira é um documento valioso que pode apoiar muitíssimo as pessoas no seu processo de escolhas e atitudes alimentar para uma saúde melhor e promoção de práticas alimentares mais adequadas e sustentáveis. O documento está organizado em 5 capítulos que contemplam múltiplas dimensões do comer, indo muito além de informações sobre os alimentos, e contemplando aspectos sobre a forma como nos relacionamos com a comida e nos levando a refletir como podemos superar os obstáculos para adoção de hábitos alimentares mais saudáveis. Conforme dito no próprio documento, o guia “se constitui como instrumento para apoiar e incentivar práticas alimentares saudáveis no âmbito individual e coletivo, bem como para subsidiar políticas, programas e ações que visem a incentivar, apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população.”
Caso a pessoa tenha intenção de esclarecer melhor suas dúvidas sobre alimentação e proceder com alguma mudança é recomendado que ela busque um nutricionista para obter este apoio.
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Fabiane Aparecida Canaan Rezende é nutricionista (CRN9 4173), com mestrado e doutorado em Ciência da Nutrição, pela UFV. Instrutora de Mindfulness e de Mindful Eating para a saúde. Atua como terapeuta nutricional, com foco no comportamento alimentar, em atendimento individual e de grupos de pessoas adultas e idosas que desejam melhorar a relação com a comida, com o corpo e com saúde. Conduz formações para profissionais da saúde e é autora de livros na área de alimentação, nutrição e comportamento alimentar. Mais sobre seu trabalho em: e-nutrirmente.com