Interseccionalidade no mercado de trabalho

Escrito por: João Henrique Santos

Celebrado mundialmente em 1° de maio, o Dia do Trabalhador teve início nos Estados Unidos no século 19, ainda que no Brasil a data tenha adquirido status comemorativo em 1924, 30 e poucos anos depois do decreto que instituiu a Lei Áurea, resultante dos eventos em favor do abolicionismo. Em entrevista ao G1 (2015), o advogado e presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra Brasileira, Ademir José da Silva, afirmou que o Brasil foi o último país a aderir à abolição, sendo Campinas, município do interior de São Paulo, o último a atender o decreto de 1888.

Neste mesmo cenário, temos duas realidades conflitantes: o Estado considerado por muitos a “capital das oportunidades” é também uma das maiores em número de desempregados (em comparação à média nacional), conforme os dados do IBGE de 2021, revelando mais de 3 milhões de pessoas em busca de recolocação profissional neste eixo “sudestino”.

Em outra pesquisa realizada pelo Instituto em 2019, cenário pré-pandêmico, o cruzamento de dados relacionados à etnia e realidade socioeconômica, constatou o índice de desemprego entre pessoas que se declaravam brancas equivalente a 10,2% enquanto aquelas que se declaravam negras e pardas, somavam 30,5% da média nacional.

André Paschoal tem 52 anos e cresceu em uma comunidade periférica, tendo as mulheres como suas principais referências, escapando do destino de outros homens de sua família, condicionados à criminalidade.

“Eram constantes as brigas e batidas policias, situação que eu e minha irmã, duas crianças, não deveríamos presenciar. Tivemos o privilégio de receber atenção, amor, carinho e apoio de mãe, tias e avó”, conta.

Aos doze anos, sua mãe começou a trabalhar como empregada doméstica e cozinheira, visando os cuidados com a família nuclear, composta por 11 irmãos. Os ofícios seguiram como parte da criação de André e sua irmã.

Na infância, André encontrou na feira livre formas de obter alguns “trocados” que o pudessem beneficiar e ajudar em casa, carregando sacolas de compras dos clientes ocasionais destes locais.

Tempos depois, ele e a irmã foram estudar em um colégio interno, situação que impactou na vida e na formação de ambos, já que não tinham mais um endereço fixo para preencher as informações que constam no “curriculum vitae” e outras evidências do racismo estrutural, na qual as características físicas direcionados aos requisitos “currículo com foto” e “experiências profissionais” são fatores determinantes.

“Ainda que não tenha concluído o Ensino Médio, consegui fazer um curso de Auxiliar Administrativo. No entanto, poucas oportunidades consegui nesta área”, diz.

De subemprego em subemprego, serviços de limpeza e outros ofícios comuns à realidade de pessoas pretas, André seguiu seu caminho, apesar de tudo. Atualmente, trabalha como auxiliar administrativo em uma Ong dedicada ao atendimento de pessoas que vivem com HIV.

“Na minha vida profissional, tive mais dificuldades por ser preto do que por ser ser gay”, aponta. Sobre a questão etária, André pontua as limitações a respeito de biotipos “exigidos” pelo mercado, que invalidam as pessoas de ‘cabelos brancos’.

“A sociedade vê as velhices como uma doença. Depois que chegamos numa certa idade, acham que não somos mais produtivos e que nossas ocupações estão mais relacionadas a ficar em casa vendo TV e regando as plantinhas”, explica.

Uma luta pela sobrevivência diária

A interseccionalidade, conceito difundido pela escritora e ativista norteamericana, Kimberlé Williams Crenshaw, contribui para as reflexões dos parágrafos acima. No livro On Intersectionality : Essential Writings, de sua autoria, Crenshaw define interseccionalidade como “formas de capturar as consequências da interação entre duas ou mais formas de subordinação: sexismo, racismo, patriarcalismo”, temas que atravessam as questões relacionadas ao etarismo nos mais diversos segmentos, em especial o preconceito vivenciado pelas populações mais vulneráveis: mulheres e pessoas LGBTQIAP+.

Marisa Vidal tem 62 anos, é graduada em Psicologia e aos 20, ingressou no funcionalismo público, atividade na qual se aposentou. Sua mãe engravidou na adolescência e foi obrigada a se casar com um homem que mal conhecia.

Filha única, foi cercada de proteção, amor e cuidados “de mãe e vó”. Teve uma infância saudável e concluiu seus estudos com plenitude.

Na vida pessoal e profissional, as percepções relacionadas ao racismo foram compreendidas com o passar dos anos nas funções que exercia, tanto na Secretaria de Segurança quanto no Tribunal de Justiça.

“Só tive promoção quando não dava mais para ter desculpas que pudesse adiar. Meus chefes e diretores, em sua maioria brancos, tiveram promoção antes de mim e quando chegou a minha vez, tive a sensação de que não merecia”, explica.

Remuneração vitalicia e estabilidade são alguns dos motivos que despertam o interesse nos cargos públicos: são poucos requisitos exigidos e oportunidades diversas.

“As barreiras para ingressar no serviço público são bem menores, inclusive quanto à questão da idade, já que você presta o concurso e passa de acordo com sua pontuação e classificação”, explica.

Marisa que é uma mulher preta lésbica e cisgênero, optou por manter sua sexualidade “no armário” durante toda a vida profissional. Aos 62 anos, é casada, mãe e avó.

“Penso que quando vamos envelhecendo tudo se agrava, principalmente quando se é pobre, mulher, preta e LGBT. Não seria diferente nas questões de empregabilidade dessa população”, conclui.

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